Qual a relação entre a arte e a religião? A arte pode criticar a religião ou deve ser respeitosa? Boa arte é aquela que respeita e mostra o melhor das religiões – ou é aquela que as retrata sem julgar? E quando a relação se inverte: é correto a religião condenar e atacar a arte? Afinal, a arte está em contato com as nossas crenças mesmo quando não é religiosa.
Muita gente acha que a arte e a religião só se encontram dentro das igrejas, nos altares e nas pinturas. Se você também acha isso, esse post será uma surpresa. Vários lugares já abrigaram esse encontro: cavernas, igrejas, museus e até montanhas. Não poderia ser diferente – ambas fazem parte do que é ser humano.
Recentemente, exposições que levantaram essas questões foram criticadas por uns e louvadas por outros. Não fique em cima do muro: tenha com este post uma visão geral desse assunto – confira!
Espirituosidade e expressão artística confundem-se no alvorecer da experiência humana. Em certa medida, ser humano é algo caracterizado por essas duas dimensões. O porquê disso? Ambas são formas de se demonstrar a consciência – do que está ao redor e de si mesmo.
Além disso, ambas são formas de comunicação. Às vezes, comunicação direta, entre emissor e receptor: a Bíblia e os demais livros sagrados são formas de transmitir mensagens. Assim também são algumas obras de tarde: até a Idade Moderna (e, em alguns lugares, até hoje), a maior parte da população era analfabeta – por isso, as imagens eram excelentes formas de comunicação.
Exemplo disso é a iconografia católica: os atributos visuais de cada dogma, conceito e entidade da religião. Se perguntarem quem é um cavaleiro montado que ataca um dragão com uma lança, aqui no Brasil não resta dúvida: é São Jorge; um homem crucificado? Em quase todo o mundo responderão: Jesus Cristo.
A arte já foi muito utilizada para representar crenças – mesmo muito antes do cristianismo surgir. Muitos pesquisadores acreditam que as pinturas rupestres são religiosas. Isto é, essas pinturas, feitas em cavernas, montanhas e paredões, tinham motivos espirituais.
Mais que ajudar a representar os atributos de alguma determinada crença, a arte tem particularidades que ajudam a aproximá-la da religião. Por exemplo, algumas pinturas rupestres são geometrias abstratas; por mais que pareça que não representam nada, elas podem indicar conceitos através da repetição ou transformação de elementos desenhados.
Algo que pode parecer óbvio, mas é extremamente importante, é a sobrevivência da arte: enquanto um profeta é mortal, a obra de arte pode durar para sempre. Esse é um dos motes para a construção dos monumentos do Egito Antigo, como as pirâmides e a esfinge. Sendo imortais como a alma, as obras transmitiriam para sempre a história, a crença e os atributos dos profetas e monarcas.
Todavia, nem sempre a proximidade entre arte e religião quer dizer concordância – muitas vezes, um dos principais atributos da arte se vira contra a religião: a criticidade. Nesses casos, a arte pode ser até antirreligiosa. Quer saber como? Confira a seguir!
Um Cristo com atributos de Shiva: esse foi um dos quadros mais polêmicos da exposição Queermuseu. O artista explicou que queria “cruzar” as duas divindades, explorando o atributo de Shiva ter vários braços como mote para uma crítica (cada braço segura algo típico do Ocidente). Se a questão era simplesmente brincar com as imagens, qual era o “desrespeito” que denunciavam os opositores?
Essa discussão remonta um dos mais antigos debates da teologia e da filosofia: a obra de arte é mera representação ou vai além da imitação? Tal debate é tão complexo que ajudou a separar a Igreja Católica – que se dividiu em Romana e Ortodoxa em 1050. Vale lembrar que outras religiões, como o Islamismo, tendem a proibir a representação de seres e entidades na arte.
Além da preocupação com a idolatria (a crença de que um objeto representante e o que é representado são o mesmo), outra coisa surge: a visão do artista. Afinal, ela pode interferir na criação da representação – e, portanto, na forma como as pessoas entendem a religião. Se há um alinhamento entre dogma e artista, tudo bem; mas e se não?
A arte tem o potencial de nos fazer refletir sobre o que vemos. Por isso, mesmo as obras mais pudicas e neutras podem transmitir uma mensagem e adotar uma posição – mesmo que seja a de não ter nenhum lado ou opinião. Com isso, as obras mais ricas nos provocam a ver além do explícito, a pensar além do óbvio.
Assim como a liberdade de expressão, a arte não pode viver com amarras. Em geral, a arte só retrata aquilo que já existe – seja na mente das pessoas, seja no mundo real. Querer reduzir a arte a ser só o que não incomoda, é, na verdade, reduzir o que quer que ela retrate – quem pede a censura inevitavelmente assume que foi atingido.
Como você viu, a história da relação entre arte e religião é antiga e complexa – e jamais poderá ser simplificada ou encerrada. Mais que tentar limitar uma das duas, a sociedade deve aprender que o diálogo é o melhor meio de assumir, desmentir ou tratar problemas. Já a censura jamais conseguiu calar o que necessitava ser ouvido – e ainda levou holofotes para quem a pedia.
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