Exposições de arte ou desenhos animados? Literatura clássica ou sites de piada? Orquestra sinfônica ou funk carioca? Discutir o que é cultura ou não sempre dá pano para a manga. Para fugir do impasse, às vezes se busca o lugar da cultura: a escola, onde se aprende a cultura; as galerias, onde se observa as obras; os teatros, onde se assiste ao teatro e à dança.
Mas e quando não encontramos beleza ou sentido nesses lugares? Quando achamos que, aquilo que está sendo ensinado ou assistido, na verdade, não é arte? Por exemplo: a comédia stand-up, se torna mais cultural quando está no teatro, mesmo se for a mesma da televisão? Ou ainda, um poema se torna menos poético quando vira letra de música? São, de fato, muitas interrogações.
Isso acontece porque definir a cultura é muito difícil. A única certeza que podemos ter é que sempre vivemos cercados por cultura – ainda que nem sempre concordemos com o que faz (ou deveria fazer) parte dela.
Essa definição do que é cultural ou não é movida por diferentes formas de analisar o mundo. Para entender melhor essas interrogações todas, vamos discutir um pouco sobre essas formas de analisar a cultura. Confira a seguir algumas das principais visões sobre a cultura e diga então o que você considera cultura!
Há quem acredita que existem pessoas “fora da cultura”; ou ainda, que algumas pessoas simplesmente “não têm cultura”. Isso porque, para quem pensa assim, é fácil identificar quem “é culto” – e depois disso, separar quem não é; mas isso pode ser questionado.
O ser humano sempre foi cercado de cultura. Desde os indícios mais antigos encontrados, que contam sobre o início da vida da nossa espécie, encontramos também indícios da cultura por perto; pois desde sempre nós produzimos cultura: artefatos, pintura rupestre, fogo e alimentos. Esta é a primeira definição de cultura: o que nós produzimos a partir da natureza.
Cultura é uma palavra que vem do latim. É uma derivação do verbo colere, que significa “guardar, cuidar”. Mas seu uso original é um pouco diferente do atual: cultura era a terra cultivada, a roça. Por isso cultura tradicionalmente remetia à agricultura.
A agricultura surgiu no neolítico, período em que o ser humano passou a viver em territórios fixos – deixando de ser nômade. Porém, ainda antes desse período já encontramos artefatos produzidos pela cultura: a pintura rupestre, por exemplo, é uma das maiores heranças que temos do período paleolítico.
Com isso em mente, podemos nos perguntar: o ser humano desde sempre produz cultura? As pessoas desde sempre criaram pinturas, artefatos e ferramentas? Esse questionamento nos leva a um impasse.
Veja bem: a cultura material (que é a definição de cultura que estamos discutindo agora, da produção de artefatos) tem uma idade – cada coisa que produzimos foi inventada, nada delas surgiu na natureza, e é isso que as torna artefatos: elas são artificiais, criadas por humanos.
Como essas coisas não surgiram do nada, algo deve ter levado à sua criação. As pinturas rupestres, por exemplo: existem várias teses sobre sua origem, mas em todas vemos coisas que as pessoas já vivenciavam – animais, outras pessoas, ações cotidianas como a caça, etc.
O que deu origem a essas coisas é difícil de rastrear porque, na maior parte dos casos, não é nada material. Afinal de contas, nem sempre conseguimos encontrar “protótipos” de todas as coisas (como as pontas de flecha). Esse é o caso das pinturas rupestres.
A origem e o significado das pinturas rupestres, muito provavelmente, é algo imaterial: hábitos sociais, formas e animais de caça, épocas importantes do ano, entre outros. Assim, a pintura é uma expressão dessa dimensão imaterial – ela materializa algo que não era físico, como os costumes das pessoas.
Esta é a segunda definição de cultura: a de hábitos, valores e expressões de um grupo. Essa segunda definição costuma ser denominada “cultura imaterial”. Afinal, não se baseia primariamente em produtos materiais. Essa forma de pensar costuma dar margem a muitos mal-entendidos, como veremos.
Valores éticos-morais, religiões, culinária, esportes, formas de economia… isso tudo é cultura. “Então tudo é cultura”, você pode se perguntar. Para essa forma de pensar, sim, praticamente todas as manifestações de um grupo são manifestações culturais. Pois essas manifestações, ainda que nada “artísticas”, moldam a nossa vida.
Por exemplo, vamos voltar aos “homens das cavernas”: uma das coisas que foi “descoberta” pelos nossos ancestrais foi o fogo. Com ele, o Homo erectus, nosso antepassado mais próximo, desenvolveu a iluminação e o cozimento de alimentos.
Com essa mudança de dieta, há indícios que, após milhares de anos, nosso próprio cérebro se transformou, gerando o Homo sapiens. Outra coisa que pode ter sido “inventada” aqui foi a linguagem: o hábito de sentar em volta do fogo desenvolveu a socialização.
O fogo, passado de geração para geração pela cultura imaterial – como a fala e as lendas –, ao mesmo tempo se tornou um elemento cultural (fogueiras são artifícios do ser humano), como gerou novos hábitos e produtos. As duas formas de cultura se entrelaçaram.
Analisar a cultura depende muito do ponto de vista. Você pode concordar mais com a cultura material, considerando os produtos como lugares claros da manifestação cultural. É comum, a partir disso, institucionalizar a expressão cultural – considerar que instituições (museus, galerias, universidades) são responsáveis por determinar e apresentar o que é cultura.
Quem não concorda com isso, geralmente, aponta para a origem das manifestações culturais. A pintura é um bom exemplo: ela depende de um tema, que em geral vem do mundo ou da sociedade. Mesmo a arte abstrata levanta temas, conversando com sua própria tradição.
É muito importante observar que há uma interação entre ambas as dimensões da cultura. Também que, mesmo que em alguns momentos uma seja mais privilegiada que a outra, isso não as torna mais ou menos culturais.
Assim, se o funk ou o rap (como o do GOG) não é tocado por orquestras, ele não é menos cultural que a música clássica – ou se não há exposições de pichação (e na verdade já há), isso não a torna menos cultural que a pintura. Em muitos casos, a única diferença é a escolha do que será cultuado ou não – a curadoria, em outras palavras.
Alguns autores apontam para essa escolha como definidora do que é conhecido por “cultura institucional” ou “cultura canônica”. Pierre Bourdieu é um sociólogo francês que aponta o papel da escola nisso – após selecionar o que deve ser ensinado, a escola chancela o que selecionou como cultura.
As definições da cultura dependem muito de como você vive a cultura. Por isso encontrar formas de vivenciar mais as manifestações culturais, discuti-las e apresentar para as pessoas é essencial. O financiamento coletivo, por exemplo, é um meio que tem dado visibilidade a várias dimensões e produtos culturais, expandindo seu acesso e tornando a cultura mais rica.
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